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Raquel Mendes | MSc in Biochemistry
Laboratory Technician at Obesity Group
IGC, Oeiras, Portugal |
Já
aqui falamos da reunião que aconteceu no passado dia 28 de outubro onde, de uma forma multidisciplinar, se abordou, pela primeira vez em Portugal, o lipedema.
Obesidade
Atualidades no estudo da célula gorda.
A obesidade é uma doença reconhecida mundialmente e atinge grande parte da população, afetando mais de 500 milhões de pessoas. Tendo em conta o grande impacto da doença nos dias de hoje, a procura de uma possível terapia ou tratamento tem aumentado. Incentivados pela necessidade de adquirir mais informação para fortalecer esta investigação, o nosso Laboratório de Obesidade, dirigido pela
cientista Ana Domingos, centrou-se no estudo da obesidade no âmbito da neurobiologia e, mais recentemente, no âmbito da imunidade.
O nosso corpo é uma máquina altamente afinada e consegue manter a homeostasia através de vários sistemas de controlo, incluindo a manutenção da massa gorda. Um dos sinais envolvidos neste sistema é a hormona grelina que é produzida pelo trato gastrointestinal e atua no cérebro para induzir fome e inibir o gasto de energia dos tecidos adiposos. Esta ação é contrariada pela ação da hormona leptina, que é produzida pelo tecido adiposo e atua no cérebro para
promover o gasto de energia dos tecidos adiposos e inibir a fome. Contudo, o mecanismo de ação da leptina no tecido adiposo não está completamente descrito. Como o sinal advém do cérebro será normal assumir que o sistema nervoso esteja envolvido na transmissão deste sinal. Havendo já algumas indicações que tal acontece, o nosso grupo quis confirmar esta hipótese. Por muito tempo se pensou que estes sinais eram transmitidos pelo sistema nervoso parassimpático, ou seja, o sistema nervoso autónomo responsável por conservar funções enquanto o corpo está em repouso. Mas o nosso grupo demonstrou que, na verdade, o responsável é o sistema simpático encarregado da preparação do corpo para situações de stresse (como a reação lutar ou fugir).
Primeiro, resolvemos visualizar estes neurónios simpáticos que residem no tecido adiposo, algo nunca antes conseguido. Usando diversas técnicas conseguimos visualizar o sistema nervoso simpático dentro do tecido adiposo e, mais ainda, provar que há uma comunicação direta entre os neurónios e as células do tecido adiposo. Será que estes neurónios atuam no tecido adiposo como promotores da queima de gorduras?
Com o objetivo de perceber o papel destes neurónios, utilizamos várias técnicas tanto para ativar como para induzir a morte celular específica e localizada destes neurónios. Os resultados foram bastante encorajadores: por um lado, a ativação deste sistema levou à diminuição da massa gorda, ao passo que a indução da morte celular dos mesmos tipos de neurónios resulta numa menor resistência à obesidade quando submetidos a uma dieta alta em gordura. Quer dizer que se ativarmos os neurónios do sistema nervoso simpático estamos a promover a queima de gordura, mas, se removermos esta inervação, estamos a retirar a sua defesa contra a obesidade e a promover este efeito!
Colocou-se então outra questão: tendo um papel tão importante, será que este sistema nervoso simpático poderá ser um alvo terapêutico no tratamento da obesidade? Resolvemos explorar esta vertente e aproveitar drogas já estudadas, tal como a anfetamina. A anfetamina é uma droga caracterizada como simpaticomimética, o que significa que imita os efeitos dos neurotransmissores utilizados pelo sistema simpático, o qual já vimos ser responsável pela diminuição da massa gorda. Contudo, estas drogas têm bastantes efeitos negativos — entre os quais se encontram os problemas cardíacos e, claro, o vício. Poderíamos modificar a anfetamina de maneira a não causar os seus efeitos adversos no cérebro? Este é um dos projetos que estamos a desenvolver neste momento.
Na obesidade há uma inflamação crónica do tecido adiposo e podemos encontrar macrófagos e linfócitos neste tecido. Procurando visualizar estas células, encontrámos uma população de macrófagos associados ao sistema nervoso simpático que denominamos de SAMs (sympathetic-associated macrophages). Também viemos a descobrir que estes macrófagos se encontram em maior número nos animais obesos.
Surgiu, então, uma nova questão: qual será o seu papel no tecido adiposo?
Procurando mais informação sobre eles, conseguimos descobrir como estes macrófagos estão equipados com um transportador que retira os neurotransmissores que os neurónios emitem e posteriormente os degrada. Assim, eles removem o sinal que promove a queima de gordura! Surgiu, assim, uma nova questão: Será que também poderemos utilizar este transportador como um alvo terapêutico? Com efeito, verificámos que, ao bloquearmos este transportador, os neurotransmissores conseguem induzir a queima de gordura nos adipócitos! Esta vertente é uma área que temos igualmente estado a explorar.
Tratando-se de uma área de investigação complexa, a obesidade continua a ser alvo de estudo de muitos cientistas e nós esperamos aumentar o conhecimento relativo a esta doença de maneira a podermos contribuir com terapia adequada e benéfica, a qual, por sua vez, poderá ser adaptada a outras doenças como a lipedema e a linfedema no combate à acumulação de gordura.
texto de:
Raquel Mendes | MSc in Biochemistry
Laboratory Technician at Obesity Group
IGC, Oeiras, Portugal
Bibliografia:
1. Roksana M Pirzgalska et al (2017). Sympathetic neuron–associated macrophages contribute to obesity by importing and metabolizing norepinephrine. Nature Medicine.
2. Andreia Barateiro, Inês Mahu & Ana I. Domingos. (2017) Domingos. Leptin Resistance and the Neuro-Adipose Connection. Frontiers Endocrinology (Lausanne)
3. Mafalda M. A. Pereira, et al (2017). A brain-sparing diphtheria toxin for chemical genetic ablation of peripheral cell lineages. Nature Communications.
4. Wenwen Zeng et al. (2015). Sympathetic Neuro-Adipose Connections Mediate Leptin-Driven Lipolysis. Cell. Volume 163, Issue 1, p84–94