Beatriz Belchior Leitão |
Tenho 32 anos e linfedema primário na perna esquerda há 4. Quando surgiu, seguiram-se visitas atrás de visitas a médicos de várias especialidades, tanto em Portugal como nos Estados Unidos, para onde me mudei em 2012.
Após vários diagnósticos errados nos Estados Unidos, incluindo esclerose múltipla e síndrome de May Thurner, que me levou à mesa de operações para me abrirem e fecharem logo de seguida, disseram-me que o meu problema seria provavelmente linfático. Só então me prescreveram um linfocintilografia e confirmaram tratar-se de linfedema. Esta confirmação chegou 2 anos depois de visitas médicas e intervenções cirúrgicas desnecessárias.
Claro que a perna continuou a aumentar de volume durante todo esse tempoJ
Foi um amigo de um amigo que me falou de uma médica francesa que faz transplantes de nódulos linfáticos. Chama-se Corinne Becker e trabalha em vários sítios do mundo. Por sorte passou por Nova Iorque quando eu lá estava. Foi a primeira vez que falei com alguém que percebia o que era o Linfedema e foi uma sensação reconfortanteJ Meses depois recebi em Paris um transplante de 3 nódulos da minha axila direita para a minha perna esquerda.
Já passou quase um ano e ainda não sei dizer se a intervenção teve algum sucesso. Como regressei a Portugal e estou a fazer drenagem uma vez e hydrocycling duas vezes por semana e ainda sou jovem, não sei dizer se os resultados obtidos são devidos a esses factores, ao transplante, ou ambos. Penso que a forma mais fidedigna de o descobrir será repetir a ressonância magnética que fiz antes da operação, onde se constatava ter uma perna de pau, desprovida de quaisquer vasos linfáticosJ
Enquanto não o fizer, sigo na ignorância quanto aos resultados fisiológicos do transplante mas estou bem ciente dos psicológicos. Ter recorrido ao último reduto no tratamento do problema ajudou-me finalmente a chegar a bons termos com ele. Foram 3 anos de revolta e drama. Ao princípio, por ser uma pessoa vaidosa, a ideia de não mais poder mostrar as pernas e vestir o que me apetecesse deixava-me derrotada. Depois, quando finalmente caiu a ficha e comecei a aperceber-me da gravidade da situação, esmagava-me a ideia de, aos 30 anos, ter uma doença para o resto da vida. Parecia-me que estava tudo estragado, tinha-me avariado para sempre. A possibilidade de infecção, dores, mobilidade reduzida, cansaço, o facto de ter um sistema imunitário deficiente pelo menos nesta perna e a eventualidade de a outra vir a ser afectada, assustavam-me muito. Quando regressei a Portugal vinha muito preocupada. Depois descobri este blog e a ajuda muito muito simpática da Manuela, o que me fez sentir que não estava só, que havia companheirismo e compreensão no mundo das pernas gordasJ Através da Manuela encontrei a Cicatriz, a clínica das enfermeiras Rita e Ana, onde faço drenagem linfática todas as semanas. E esse foi o ponto de viragem. Acho que sem o carinho, apoio e ajuda destas duas senhoras seria ainda a pessoa vulnerável e assustada de há uns meses. A postura delas é de cuidado e mimo, que muito bem me fazem, mas também de força e luta, não fossem elas próprias duas mulheres de armas. E isso fez toda a diferença. As “minhas enfermeiras”, como carinhosamente lhes chamo, são responsáveis pela minha saúde física e psicológica de uma forma tão profunda que ir à drenagem tornou-se numa das melhores coisas da minha semanaJ
É claro que todos os problemas associados ao linfedema ainda me assustam um pouco mas tento não pensar neles. Não me considero doente mas respeito e cuido da minha perna gorda. Em suma, sigo a máxima de “se não a podes vencer, junta-te a ela”. Eu a “criatura” (nome carinhosamente atribuído por um amigo) temos uma coexistência pacífica, respeitamo-nos mutuamente. Parece que ela chegou para ficar, não vai a lado nenhum, mas eu também nãoJ
testemunho e texto: Beatriz Belchior Leitão