Renascer

Maria João Carapinha
Todos (as) aqueles (as) que possuem linfedema sabem o quão difícil é aceitarmos a nossa patologia. Não aceitá-la apenas a nível físico porque é uma doença visível aos olhos de qualquer um, como a nível psicológico pois destrói a nossa autoestima, a nossa confiança, o sentirmo-nos bem com o nosso próprio corpo e com o membro que possui edema.

Vivemos num mundo em que cada vez mais a imagem é importantíssima, em que a beleza e a harmonia física têm ganho terreno em prol de outros princípios e valores. Quando se é portador de uma patologia como o linfedema, sentimo-nos diferentes, somos olhados como se fossemos “bichos raros”, com horror e estupefação. Esses olhares persistentes e inquisitivos vão criando em cada um de nós a necessidade de nos escudarmos, de nos protegermos, de fugirmos a qualquer tipo de questionário imprevisível no mais banal dos locais, de querermos esconder a todo o custo a nossa doença e até de nos isolarmos. Neste processo, de sofrimento psicológico e de solidão, o nosso amor-próprio começa a desvanecer-se e os pensamentos negativos começam a inundar a nossa mente.

Como já referi num post anterior, o meu linfedema apareceu-me aos 14 anos, recordo que na altura as minhas colegas de escola se afastaram totalmente de mim. Fiz amizades novas, mas era sempre vista como alguém diferente. Foi nesse preciso momento, que a minha autoestima começou a baixar, com o passar dos anos o linfedema foi piorando, o meu peso foi aumentando e era constantemente abordada na rua, na escola, aonde quer que estivesse por pessoas desconhecidas a questionarem-me sobre o que tinha na minha perna, perguntas inconvenientes que me magoavam imenso e faziam sentir-me um ser estranho e aberrante.

Para evitar estas situações acabei por deixar de cuidar de mim, usar roupas que escondiam o meu linfedema, sapatos que tapavam por completo o meu pé; pois sentia que este constrangimento de todos olharem para mim se estendia também aos meus familiares mais próximos. Vive durante 16 anos assim, tinha 30 anos, mas vivia e vestia-me como se tivesse 80 anos. 

Eu que adorava roupas coloridas, saias curtas, sapatos originais confinei-me e acomodei-me a um mundo cinzento e escuro, como se não houvesse esperança nem amanhã. Achava que não era bonita, que o meu corpo e a minha perna esquerda eram verdadeiras monstruosidades e em título de brincadeira até dizia que era uma combinação de “mulher-elefante”, mas era assim que me sentia.

Mas como não há mal que dure para sempre, há cinco anos comecei uma nova fase da minha vida, um “renascimento”, um “desabrochar” do meu verdadeiro eu. Tenho vindo a reconstruir a pouco e pouco a aceitação de mim mesma e da minha patologia. Mudei a forma de me ver a mim mesma, tenho tentado gostar mais de mim com as minhas limitações, deformações, medos e receios, alterei a minha forma de vestir não me importando se as pessoas na rua ficam paradas a olhar para mim e respondo com um sorriso na cara e com voz afável a quem me questiona sobre a patologia que tenho, pelo menos é uma forma de desmistificar o linfedema.

Hoje em dia, vivo um dia de cada vez, com alegria, serenidade, com vontade de cuidar de mim mesma e num processo contínuo de aceitação, sabendo que a beleza interior é mais importante que qualquer limitação ou deformação que possamos ter no nosso corpo. Todos os dias, vou tentando gostar mais um pouco de mim e reconstruindo a minha estátua interior que ficou destruída lá atrás. 

testemunho de: Maria João Carapinha


6 comentários:

  1. Eu sei muito bem o que isso é,mesmo não sendo portadora de linfedema deparo-me com a mesma situação com a minha filha de 13 anos a Francisca.Em relação ao modo de vestir a Francisca nunca teve receio de colocar uns calções curtinhos,um vestido,(ela adora roupas curtas) até o psicólogo da escola pensava que eu era uma mãe "desnaturada"palavras dele quando falou comigo sobre o modo de vestir da Francisca,se ela sofria bullying por possuir linfedema porque é que andava com as pernas à "mostra" mal sabia ele as limitações que nós passamos quando vamos comprar vestuário ou calçado à minha filha :(
    Fico feliz por si Maria João por ter renascido e que nesta fase da sua vida seja muito feliz,beijinhos da Francisca e da mãe.

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    1. Marília,
      Infelizmente ainda há muito para fazer na desmistificação do linfedema. Por isso, eu acho importante divulgar esta patologia na Comunidade Escolar, nomeadamente entre os docentes, psicólogos,funcionários para além dos próprios alunos. Força para si e para a Francisca. Obrigada pelas suas palavras! Um grande beijinho para as duas!
      Maria João Carapinha

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  2. Realmente, Maria, o linfedema realmente nos causa um grande prejuízo social, além do fardo de ser uma doença crônica com suas inúmeras facetas.
    Nos adaptamos a tudo, mas o que não dá para aceitar é a negligência e o desconhecimento relacionado a doença. LINFEDEMA TEM TRATAMENTO E CONTROLE, infelizmente as informações e o tratamento não tem chegado à quem realmente precisa.
    Precisamos mudar esse cenário!!!
    Abraço
    Sonia Martins, Brasil

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    1. É verdade , Sónia! Esta patologia ainda é desconhecida ou considerada uma doença "secundária" para muitos, o que vai fazendo que casos que no início poderiam ser controlados, piorem gradualmente com o passar dos anos por falta de informação e tratamento. Beijinhos.
      Maria João Carapinha

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  3. Parabéns pelo seu testemunho! Ao ler sorri e chorei... :) Lembre-se que a luta faz-se caminhando e sorrindo! Um grande beijinho aqui do Norte ( Braga)

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    1. Obrigada, Paula pelas suas palavras! Tem sido o sorriso e a persistência que me têm feito continuar a lutar e a não desistir, já são 32 anos de luta !
      Um grande beijinho!
      Maria João Carapinha

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Manuela (L de linfa)